sexta-feira, 14 de julho de 2017

Franz Kafka e a Boneca Viajante


Um ano antes de sua morte, Franz Kafka viveu uma experiência singular.  
Quando passeava pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina a chorar porque tinha perdido a sua boneca.
Kafka ofereceu ajuda para encontrar a boneca e combinou um encontro com a menina no dia seguinte, no mesmo lugar.
Nao tendo encontrado a boneca, ele escreveu uma carta como se fosse a boneca e leu-a à criança quando se encontraram. A carta dizia: “Por favor, não chores por mim, parti numa viagem para ver o mundo. ”.
Durante três semanas, Kafka entregou, pontualmente, à menina outras cartas que narravam as peripécias da boneca em todos os cantos do mundo: Londres, Paris, Madagascar…
Tudo para que a menina esquecesse a grande tristeza. 
Esta história foi contada a alguns jornais e inspirou um livro de Jordi Sierra i Fabra (Kafka e a Boneca Viajante) onde o escritor imagina como teriam sido as conversas e o conteúdo das cartas de Kafka. 
No fim, Kafka ofereceu à menina uma outra boneca. Era, obviamente, diferente da boneca original.  
Uma carta anexa explicava: “as minhas viagens transformaram-me…”.
Anos depois, a menina encontrou uma carta enfiada numa abertura escondida da querida boneca substituta.  
O bilhete dizia:
“Tudo que tu amas, eventualmente perderás, mas, no fim, o amor retornará de uma forma diferente”.


Franz Kafka e a Boneca Viajante

domingo, 12 de março de 2017

O PRINCIPEZINHO - LE PETIT PRINCE - SAINT EXUPERY

CAPÍTULO XXI
E foi então que apareceu a raposa:
- Boa dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer "cativar"?
- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que fazem. Tu procuras galinhas?
- Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços..."
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...
- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...
- Oh! não foi na Terra, disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
- Num outro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- Que bom! E galinhas?
- Também não.
- Nada é perfeito, suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua idéia.
- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra.
O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
- Por favor... cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer alguma coisa. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
- Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.
- Que é um rito? perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!
Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Quis, disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! disse o principezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então, não sais lucrando nada!
- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.
Depois ela acrescentou:
- Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te farei presente de um segredo.
Foi o principezinho rever as rosas:
- Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela á agora única no mundo.
E as rosas estavam desapontadas.

- Sois belas, mas vazias, disse ele ainda. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.
E voltou, então, à raposa:
- Adeus, disse ele...
- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Fábulas de Esopo: O Leão e o Rato

Havia um leão, rei de todos os animais, que depois das suas caçadas costumava dormir à sombra de uma bela árvore.
Perto dali estava a toca de um grupo de ratinhos. Eles sempre esperavam o leão dormir e então saiam para brincar entre as folhas caídas pelo chão. Um dia, quando o leão estava dormindo, os ratinhos saíram todos despreocupados e começarm suas brincadeiras.
De repente o chefe dos ratinhos caiu sobre a cabeça do leão que logo despertou.

Apavorado disse-lhe o rato: - desculpe-me majestade, não me devore e prometo que nunca mais brincaremos aqui.
 - Ora! - respondeu-lhe o leão - Imagine se vou comer um mísero rato como você, só como carne de primeira. Você só merece o meu desprezo e, portanto, não vou nem perder meu tempo.

 Vários dias se passaram até que numa certa noite, extremamente escura, o leão, durante suas andanças pela floresta, caiu numa armadilha de caçadores. Ficou todo amarrado por cordas muito fortes. Por mais que se debatesse, não conseguia livrar-se da rede. Todos os bichos da floresta fugiram apavorados. Nenhum se atreveu a ver o que estava acontecendo com o leão, muito menos socorrê-lo. Perto dali estavam os ratos que ouviram aquele barulhão e, curiosos como são, foram ver o que estava acontecendo.
Ao chegarem perto do leão viram que ele já estava muito cansado e esperando pelo pior destino.
 - Pelo que vejo, disse-lhe então o rato, vossa majestade caiu numa rede de caçadores e não consegue escapar. Mas não precisa se preocupar que tudo farei para libertá-lo.

Chamou seus companheiros e ordenou-lhes: - vamos roer depressa as malhas desta rede, antes que os caçadores cheguem!

 Então todos puseram-se a trabalhar febrilmente. Em poucos instantes arrebentaram toda a rede e soltaram o rei dos animais daquela armadilha.
 O leão ficou muito grato e teve uma grande lição de solidariedade.

 Moral da história: Nunca devemos desprezar alguém, por mais humilde que seja. A vida dá muitas voltas e talvez um dia venhamos a precisar exatamente da sua ajuda.